O exercício ajuda a prevenir arritmias cardíacas?
Vanessa Santos - Fisiologista do exercício
Publicado no dia 15 de novembro de 2024
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As arritmias cardíacas são distúrbios que afetam o ritmo dos batimentos cardíacos, podendo causar desde batimentos acelerados (taquicardia), lentos (bradicardia) até irregularidades. Essas condições podem ser assintomáticas ou causar sintomas como palpitações, tontura, desmaios e, em casos mais graves, levar a complicações como a fibrilhação auricular, um dos tipos mais comuns de arritmia, associado a um risco elevado de acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência cardíaca. A prevenção e o tratamento das arritmias são essenciais para reduzir riscos e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados. Entre as abordagens preventivas mais eficazes, destaca-se o papel do exercício físico regular.
Nos últimos anos, o estudo da relação entre o exercício físico e arritmias cardíacas tem-se intensificado, com descobertas que reforçam o valor dos exercícios moderados como um fator protetor para o sistema cardiovascular. No entanto, o impacto do exercício sobre o ritmo cardíaco é complexo e pode variar dependendo da intensidade, duração e tipo de exercício, além das características individuais do praticante. O equilíbrio entre os benefícios do exercício e os riscos potenciais da prática excessiva para manter a saúde cardiovascular deve ser visto com grande atenção.
O exercício físico é amplamente reconhecido como uma das principais estratégias para promover a saúde cardiovascular. A prática regular de exercício físico ajuda a reduzir a pressão arterial, melhora os níveis de colesterol, controla o peso corporal e promove o fortalecimento do coração. O efeito mais direto no contexto das arritmias é a sua capacidade de melhorar a função do sistema nervoso autónomo, que regula o ritmo cardíaco. O equilíbrio entre os ramos simpático e parassimpático do sistema nervoso é essencial para manter o ritmo cardíaco estável, e a prática regular de exercício pode ajudar a regular esse equilíbrio, reduzindo a probabilidade de irregularidades nos batimentos cardíacos.
Resultados de estudo
De acordo com um estudo sobre reabilitação cardiovascular e fibrilhação auricular, o exercício físico pode reduzir o risco de episódios de arritmia, pois fortalece o coração e melhora a sua eficiência, e, consequentemente, a capacidade de resposta cardíaca, fazendo com que o coração se torne mais eficiente no bombeamento de sangue. Isto contribui para a prevenção de condições que podem desencadear arritmias, como a hipertrofia ventricular (aumento anormal do tamanho das paredes do coração). Ao aumentar a capacidade de oxigenação dos tecidos e a circulação sanguínea, o exercício previne o stress oxidativo e a inflamação, fatores que desempenham um papel na fisiopatologia de muitas arritmias. A fibrilhação auricular está fortemente associada a condições como obesidade, hipertensão, diabetes e insuficiência cardíaca. Segundo a mesma investigação, o exercício pode ajudar a prevenir a fibrilhação auricular ao melhorar a saúde cardiovascular geral ao reduzir o risco de fatores predisponentes, como o aumento da pressão arterial e o ganho de peso.
Por outro lado, o exercício em excesso, especialmente nos exercícios de alta intensidade e longa duração, pode ter um efeito oposto. Em atletas de endurance, como maratonistas e ciclistas, há um risco aumentado de desenvolvimento de fibrilhação auricular, devido ao stress prolongado sobre o coração. Este fenómeno, conhecido como “coração de atleta”, ocorre quando o coração se adapta a altos níveis de exercício físico ao longo de vários anos, resultando em alterações estruturais e elétricas que podem predispor a arritmias. Assim, a intensidade dos exercícios deve ser cuidadosamente controlada, especialmente em indivíduos com predisposição a condições cardíacas.
A chave para prevenir arritmias cardíacas através do exercício está na moderação. A recomendação geral para a população é realizar pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana, como caminhada rápida, natação ou ciclismo leve, conforme as diretrizes da Organização Mundial da Saúde. Essas atividades têm o potencial de reduzir a incidência de arritmias, fortalecer o coração e melhorar a qualidade de vida, sem sobrecarregar o sistema cardiovascular.
Para indivíduos que já têm histórico de arritmias ou outros problemas cardíacos, é importante consultar um médico antes de iniciar um programa de exercícios. Atualmente, os programas de reabilitação cardíaca, deverão combinar exercícios supervisionados com educação sobre saúde cardiovascular. Outro estudo demonstrou que doentes com fibrilhação auricular que participaram em programas de reabilitação cardíaca apresentaram uma redução significativa nos episódios de arritmia, além de melhorias na capacidade física e mental.
Além dos exercícios aeróbios, os exercícios de resistência muscular também pode ser uma opção benéfica, desde que realizados sob supervisão adequada. O fortalecimento muscular pode ajudar a melhorar a circulação sanguínea e aliviar o trabalho do coração. No entanto, exercícios que envolvam levantamento de pesos muito pesados ou exercícios de alta intensidade, como o crossfit, podem ser prejudiciais, especialmente para pessoas com histórico de arritmias.
Para a população idosa, o exercício físico é particularmente importante na prevenção de arritmias e outras condições cardíacas. À medida que o corpo envelhece, a capacidade do coração de responder ao stress diminui, tornando o exercício físico uma ferramenta essencial para manter o sistema cardiovascular num funcionamento saudável. Alguns estudos destacam que idosos que se envolvem em programas de exercício físico regulares, como caminhar e fazer exercícios de alongamento e fortalecimento muscular, têm um risco reduzido de desenvolver arritmias, incluindo fibrilhação auricular, além de uma maior longevidade e menor incidência de complicações cardiovasculares.
Conclusão
• O exercício físico desempenha um papel fundamental na prevenção de arritmias cardíacas, promovendo a saúde geral do coração e melhorando a função do sistema nervoso autónomo;
• No entanto, é crucial encontrar um equilíbrio nesta prática física. Enquanto o exercício moderado pode reduzir significativamente o risco de arritmias, o excesso de exercícios intensos pode ser prejudicial, especialmente em indivíduos predispostos a problemas cardíacos;
• A consulta com um cardiologista e a adesão a programas de exercício personalizados e supervisionados são recomendados para maximizar os benefícios e reduzir os riscos.
Referências:
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