Risco Cardiovascular: o que é e como podemos calculá-lo?

Artigo de Hélder Dores - Cardiologista
12 jul 2023

As doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte nos países desenvolvidos, nomeadamente por enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, sendo em Portugal ainda responsáveis por aproximadamente 30% dos casos. 

Adicionalmente, tanto no homem como na mulher, constituem causa frequente de mortalidade prematura e de elevada morbilidade, associando-se a um elevado impacto socioeconómico. Neste âmbito, a identificação precoce das pessoas com maior probabilidade do desenvolvimento destas doenças é essencial.

A probabilidade da ocorrência de um evento cardiovascular, como enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte, corresponde ao denominado risco cardiovascular.

Existem vários fatores de risco e condições clínicas que se associam à ocorrência destes eventos, sobretudo se estiverem descontrolados. Neste sentido, a estratificação deste risco em muito baixo, baixo, moderado, alto e muito alto é fundamental para se implementarem medidas preventivas e terapêuticas adequadas.

É importante salientar que existem condições que só por si classificam as pessoas imediatamente em risco cardiovascular alto ou muito alto: 

– Doença cardiovascular conhecida (destacando-se doença aterosclerótica significativa ou eventos clínicos prévios); 

Doença renal crónica moderada a grave;

Diabetes, principalmente se de longa duração, com lesões de órgão-alvo ou evidência de aterosclerose; 

 – Hipercolesterolemia familiar com elevação acentuada dos níveis de colesterol.  

São estas pessoas com maior risco que devem iniciar medidas preventivas mais rapidamente e quando indicado também terapêuticas mais intensivas. É na deteção das pessoas com risco cardiovascular mais elevado que será maior a eficácia da atuação dos profissionais na redução de eventos. Para isso não contam só os médicos, mas sim todos os profissionais envolvidos na prevenção da doença cardiovascular, bem como os próprios doentes. 

O conhecimento por parte dos doentes desta associação com risco de eventos cardiovasculares é essencial, devendo a melhoria da literacia em saúde constituir uma prioridade.

Nas pessoas que são aparentemente saudáveis, cujo espetro de risco é muito amplo (deste baixo risco a muito alto), a pesquisa dos fatores de risco cardiovascular convencionais constitui uma etapa fundamental.

Além das características que não são modificadas pela alteração do estilo de vida, como a idade e o género (risco mais elevado com a idade e no sexo masculino), deve ser averiguada principalmente a presença de hipertensão arterial, tabagismo, diabetes e colesterol elevado. A valorização individual destas características é muito importante, mas como estão frequentemente associadas entre si e o risco é exponencial, existem scores que através da sua conjugação estimam o risco de eventos cardiovasculares a médio-longo prazo. Na prática, estes scores fornecem uma percentagem (probabilidade) da ocorrência de eventos cardiovasculares a médio-longo prazo.  

A Sociedade Europeia de Cardiologia, nas últimas recomendações para a prevenção cardiovascular (também disponíveis num formato com linguagem adaptada aos doentes), propôs novos scores de risco, o SCORE2 para pessoas entre 40 e 69 anos e o SCORE2-OP para aquelas com 70 ou mais anos de idade. Estes scores estimam a probabilidade de eventos cardiovasculares fatais e não fatais aos 10 anos e incluem as seguintes variáveis: idade, sexo, pressão arterial sistólica, tabagismo e colesterol não HDL. Existem tabelas que podem ser consultadas e várias calculadoras que permitem a determinação rápida do risco cardiovascular segundo estes scores, estando ajustadas e adaptadas ao risco global dos diversos países europeus. Em Portugal, devem ser utilizadas as tabelas recomendadas para os países de risco moderado.

Após o cálculo deste risco, a abordagem dos doentes deverá ser baseada em duas etapas, uma inicial, na qual se transmitem os objetivos e se iniciam medidas de prevenção, decisão sempre partilhada com o doente, e uma segunda em que se implementam medidas preventivas e terapêuticas mais intensivas se a primeira abordagem não for suficiente.

Esta metodologia de estratificação de risco é suficiente?

Um aspeto controverso é se a utilização desta metodologia de estratificação de risco baseada em características é suficiente. De facto, em determinados contextos, a realização de exames complementares de diagnóstico pode ajudar a detetar doença aterosclerótica subclínica, numa fase ainda precoce, permitindo o início atempado de medidas terapêuticas. Entre estes exames tem assumido preponderância o score de cálcio, que na prática corresponde à quantificação do cálcio coronário, que é acumulação de gordura (aterosclerose). Caso o score de cálcio seja muito elevado e acima do previsto para a idade e sexo da pessoa, associa-se a maior risco de eventos cardiovasculares. Este e outros exames de imagem são assim denominados de qualificadores de risco.

Entre outras características que permitem reclassificar o risco cardiovascular estão fatores psicossociais, raça, fragilidade, história familiar de doença cardiovascular, genética, determinantes socioeconómicos, exposição ambiental (sobretudo à poluição atmosférica), alguns parâmetros de se doseiam no sangue (biomarcadores) e a composição corporal. Estas características ajudam a determinar o risco com mais precisão e melhorar a sua estratificação, porque se estiverem presentes alterações patológicas incrementam o risco e ajudam na tomada de decisão quanto ao início de medidas preventivas. 

Além destes qualificadores de risco, há diversas doenças, comorbilidades, que também aumentam o risco de eventos cardiovasculares, nomeadamente a doença renal crónica, fibrilhação auricular, insuficiência cardíaca, cancro, doença pulmonar obstrutiva crónica, doenças inflamatórias, infeções (ex. HIV, influenza, periodontite), enxaqueca, perturbações do sono e síndrome de apneia obstrutiva do sono, doenças mentais, doença hepática não alcoólica e perturbações do foro sexual. Pesquisar a presença destas doenças é uma etapa também importante durante a avaliação do risco cardiovascular de uma pessoa. 

O risco cardiovascular não deve ser considerado estanque. Aquilo que sabemos é que na presença de um risco cardiovascular elevado a ocorrência de um evento que pode ser potencialmente fatal é inevitável e ocorrerá mais cedo na vida. Neste âmbito, devemos olhar para o risco cardiovascular como um continuum e que deve ser calculado de forma individualizada. Como exemplo, apesar dos scores de risco referidos estarem recomendados para pessoas com pelo menos 40 anos de idade, a presença de fatores de risco cardiovascular em pessoas mais jovens deve ser sempre valorizada, com ou sem scores

Em todas as idades há medidas que devem ser adotadas pare reduzir a probabilidade destas complicações e garantir uma vida mais longa e com mais qualidade. Qualquer pessoa pode quantificar e ter noção do seu risco cardiovascular, devendo ser obviamente confirmado e estimado nas consultas com os médicos assistentes, mas este envolvimento de todos, com o doente, é essencial. 

Sabe quais são os principais fatores de risco cardiovascular?

Referências:  
    1. Visseren FLJ, et al. 2021 ESC Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice. Rev Esp Cardiol (Engl Ed). 2022;75(5):429
 
  1. European Society of Cardiology. Guidelines for Patients.

FAÇA O SEU REGISTO E NÃO PERCA AS NOVIDADES

Assine a newsletter e receba mensalmente sugestões de artigos e insights dos especialistas do Cardio da Vida!
Caso não encontre o nosso email, por favor, verifique a sua caixa de spam ou de lixo eletrónico.