Doenças congénitas do Coração
José Ferreira - Cardiologista
Publicado no dia 3 de julho de 2024
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As doenças congénitas do coração (cardiopatias congénitas) são um conjunto de doenças que estão relacionadas com defeitos de nascença e que afetam a estrutura e normal funcionamento do coração.
Estas doenças podem variar desde simples defeitos, que não causam qualquer sintoma e sem repercussão funcional, a alterações complexas, que requerem múltiplas intervenções ao longo da vida e que limitam a sobrevivência.
As cardiopatias congénitas podem surgir de forma isolada ou associadas a outros problemas, tais com a trissomia 21 ou outras síndromes genéticas. Estima-se que cerca de 1% dos recém-nascidos apresentem algum tipo de defeito congénito no coração, sendo que as formas complexas são, na sua maioria, diagnosticadas durante a gravidez ou imediatamente à nascença. A Tetralogia de Fallot e a Transposição das Grandes Artérias, são exemplos de cardiopatias congénitas complexas que provocam sintomas nos recém-nascidos e que carecem de correção cirúrgica mais imediata. Existem, no entanto, outras cardiopatias congénitas, menos graves, que não dão sintomas e que por vezes apenas são diagnosticadas em idade adulta.
As cardiopatias congénitas mais frequentes na idade adulta são:
Foramen Ovale Patente (FOP)
O que é?
O Foramen Ovale é uma abertura no septo interauricular que existe durante a vida fetal, permitindo a passagem de sangue entre as aurículas direita e esquerda. Após o nascimento, esta abertura encerra-se espontaneamente. O Foramen Ovale patente, ocorre em 25% da população, quando esta comunicação persiste ao longo da vida, causando a passagem ocasional de sangue entre as aurículas (habitualmente apenas durante a manobra de valsalva ou em situações de doença cardíaca).
O que pode causar?
Na maioria dos casos, o FOP é assintomático. No entanto, pode estar associado a enxaquecas, acidente vascular cerebral (AVC) e aumenta o risco de doença descompressiva em mergulhadores. Por vezes o FOP é um achado diagnóstico em exames de imagem cardíacos.
Qual o tratamento?
O tratamento do FOP depende da presença de sintomas. Em casos assintomáticos, geralmente não é necessária qualquer intervenção. Quando existem sintomas ou complicações, pode-se considerar o encerramento do FOP através de um dispositivo colocado por cateterismo cardíaco.
Comunicação Interauricular
O que é?
A comunicação interauricular é uma abertura anormal entre a aurícula direita e esquerda do coração. Dependendo das suas características, as comunicações interauriculares podem ser classificadas em ostium secundum, ostium primum e sinus venosos. Este tipo de defeito provoca uma passagem de sangue do lado esquerdo para o lado direito do coração e com o tempo acaba por levar a complicações.
O que pode causar?
Os sintomas podem variar conforme a dimensão da comunicação, sendo que as maiores, podem causar fadiga, falta de ar, arritmias, insuficiência cardíaca e hipertensão pulmonar. A comunicação interauricular não tratada carece habitualmente de uma vigilância regular, para decidir sobre eventual tratamento, antes do aparecimento de complicações.
Qual o tratamento?
O tratamento é ditado pelo tamanho da comunicação e pela presença de sintomas. Em alguns casos, mesmo quando não existem sintomas, pode estar indicado o seu tratamento. O encerramento deste tipo de cardiopatia congénita pode ser realizado com recurso a dispositivos percutâneos (isto é, colocados por cateterismo cardíaco) ou a cirurgia, dependendo dos casos.
Canal Arterial Patente
O canal arterial patente é uma persistência de uma conexão entre a artéria pulmonar e a aorta, que existe na vida intrauterina, mas que se encerra espontaneamente após o nascimento. A persistência deste canal leva à passagem contínua de sangue entre a aorta (de maior pressão) e a artéria pulmonar (de menor pressão).
O que pode causar?
A persistência deste canal pode provocar hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca. Habitualmente é diagnosticado nos recém-nascidos na presença de um sopro, associado ou não a dificuldade respiratória e dificuldade em se alimentarem. No entanto, alguns dos canais arteriais, passam despercebidos e apenas são diagnosticados na idade adulta, quer por investigação de um sopro não explicado, quer pelas suas complicações.
Qual o tratamento?
Na idade adulta, o encerramento do canal arterial é habitualmente realizado por cateterismo ou através de cirurgia. O diagnóstico e tratamento atempado desta cardiopatia congénita nos recém-nascidos, permite uma vida sem qualquer restrição. No caso do diagnóstico tardio, podem existir complicações que carecem de vigilância e tratamento continuado.
Válvula Aórtica Bicúspide
O que é?
A válvula aórtica bicúspide é uma anomalia congénita onde a válvula aórtica tem apenas dois folhetos (cúspides) em vez de três. A maioria destas válvulas funcionam normalmente até à idade adulta, estando, no entanto, mais sujeitas ao desgaste. Por vezes esta anomalia congénita associa-se a um maior risco de aneurismas da aorta e a coartação da aorta (outra cardiopatia congénita).
O que pode causar?
Na maioria dos casos os sintomas só aparecem após os 40-50 anos de idade, onde o desgaste da válvula leva a estenose e/ou insuficiência da mesma, provocando insuficiência cardíaca. A presença de um sopro pode levantar a suspeita, sendo o diagnóstico confirmado por um ecocardiograma (ou outro exame de imagem quando persistem dúvidas). Este defeito da válvula aumenta também o risco de infeções, nomeadamente endocardite.
Qual o tratamento?
Nos casos sem sintomas, a vigilância regular pode ser suficiente. Mas na presença de estenose e/ou insuficiência da válvula aórtica é preciso realizar cirurgia e/ou tratamento através de cateterismo.
Coartação da Aorta
A coartação da aorta é uma estenose localizada no início da aorta torácica descendente. Esta estenose provoca uma queda súbita da pressão dentro da aorta e em particular nas extremidades inferiores, onde a circulação de sangue se encontra diminuída.
O que pode causar?
Uma das complicações mais frequentes é a hipertensão arterial. Adicionalmente, os pulsos dos membros inferiores estão diminuídos e existe fraqueza destes últimos. Em casos graves, a coartação da aorta provoca aneurisma da aorta e insuficiência cardíaca. Por vezes a coartação permanece por diagnosticar até à idade adulta, pelo que um jovem com hipertensão arterial grave deve sempre levantar a suspeita desta cardiopatia congénita.
Qual o tratamento?
Dependendo da gravidade e complicações, o tratamento pode ser realizado com recurso a cateterismo cardíaco com angioplastia e colocação de stent ou cirurgia. Nos casos não tratados, a vigilância regular é fundamental, em particular para despistar complicações vasculares, nomeadamente aneurismas da aorta.
Comunicação Interventricular
O que é?
A comunicação interventricular é uma abertura entre os ventrículos direito e esquerdo do coração. Dependendo da sua dimensão, o sangue tende a passar da esquerda para a direita durante a contração cardíaca. Uma percentagem significativa de comunicações interventriculares tende a encerrar com a idade. Por vezes a comunicação interventricular pode estar associada a outros defeitos congénitos cardíacos mais complexos.
O que pode causar?
Os sintomas dependem do tamanho da comunicação. As comunicações mais pequenas tendem a produzir um sopro intenso e tendem a produzir poucos sintomas. Os defeitos maiores, levam a dilatação do coração e a insuficiência cardíaca, com queixas de cansaço e falta de ar.
Qual o tratamento?
Nos casos sem sintomas e quando a comunicação é de pequena dimensão, a vigilância regular é suficiente. Em casos mais graves é preciso recorrer ao encerramento, habitualmente através de cirurgia.
Em resumo:
As cardiopatias congénitas compreendem um amplo espectro de doenças, com vários tipos de defeitos e com consequências diversas. As suas formas mais complexas requerem seguimento em consultas especializadas desde o nascimento até à idade adulta e são alvo de múltiplas intervenções. Por outro lado, muitas das cardiopatias congénitas apenas são diagnosticadas na vida adulta e dependendo da sua gravidade, podem apenas requerer vigilância regular, sendo que alguns casos necessitam de tratamento para prevenir as suas complicações.
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