MEDICAÇÃO APÓS UM ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO
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José Ferreira Santos
Cardiologista
- 24 Out 2023
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Se teve um enfarte agudo do miocárdio, seguramente que o seu médico receitou vários medicamentos, alguns deles para o “resto da vida”! Saiba porquê?
Um enfarte agudo do miocárdio é um evento grave e potencialmente fatal. Felizmente com o diagnóstico e tratamento atempado e adequado, é possível, após algum tempo, retomar a vida normal. No entanto, mesmo quando não existem sintomas e/ou sequelas significativas, é habitual o médico prescrever vários medicamentos.
Porque deve tomar medicação após um enfarte agudo do miocárdio?
A ocorrência de um enfarte agudo do miocárdio é um evento sentinela e muitas vezes inesperado, de uma doença que há muito se começou a desenvolver. A maioria dos casos de enfarte deve-se à presença de aterosclerose nas artérias coronárias, o que significa a presença de placas de gordura, com inflamação e calcificação, na parede das artérias que irrigam o coração! Este processo inicia-se muito antes do primeiro episódio de enfarte agudo do miocárdio e é acelerado pela presença de fatores de risco, tais como a hipertensão arterial, o colesterol elevado, a diabetes, o tabagismo, entre outros.
E se tiver sintomas após um enfarte agudo do miocárdio, a medicação pode ajudar?
Que medicamentos temos ao nosso dispor após um enfarte agudo do miocárdio e que benefícios posso esperar?
Como referido, após um enfarte agudo do miocárdio, a utilização da medicação tem como objetivos:
• Aumentar os anos de vida e reduzir o risco de eventos recorrentes, complicações e em última análise o risco de morte;
• Controlar ou eliminar sintomas que possam persistir após o evento agudo.
Os medicamentos seguintes fazem parte da lista possível de utilizar após um enfarte agudo do miocárdio, sendo que o seu médico irá selecionar a combinação que mais faz sentido para cada caso individual:
Qual o mecanismo de ação de cada um dos medicamentos?
Conforme referido a medicação será individualizada pelo médico a cada caso particular. Cada uma da classe de medicamentos tem um mecanismo de ação próprio e deve ser utilizado tendo em conta essa finalidade.
De uma forma resumida, a lista seguinte especifica o mecanismo de ação e principais benefícios de cada uma das classes de medicamentos usada após um enfarte agudo do miocárdio.
Antiagregantes
Tal como o nome indica evitam a agregação de plaquetas e como tal reduzem o risco de formação de coágulos nas artérias e consequentemente reduzem o risco de novos eventos cardiovasculares. Existem vários tipos de antiagregantes, dos quais se destacam a aspirina e os inibidores P2Y12 (uma classe dos quais os exemplos mais usados são o clopidogrel, o prasugrel ou o ticagrelor).
A maioria dos doentes após um enfarte agudo do miocárdio faz uma combinação destes dois tipos de antiagregantes, que são prolongados pelo mínimo de 1 ano e até aos 3 anos e posteriormente é indispensável manter pelo menos um dos medicamentos ad eternum! (o médico depois decide se a aspirina ou um dos inibidores P2Y12)
Redução do colesterol
Após um enfarte agudo do miocárdio, os valores de colesterol devem permanecer muito baixos e durante o maior número de anos possível, de forma a evitar a progressão da aterosclerose e como tal a ocorrência de novos eventos cardiovasculares. O valor ótimo de colesterol-LDL deve ser inferior a 55mg/dL, pelo que na prática a quase totalidade dos doentes precisa de fazer pelo menos um medicamento para controlar o colesterol, pois o valor médio na população em geral é > 100mg/dL.
O tipo de medicação mais usado e conhecido são as estatinas. No entanto existem outros tipos de medicamentos para controlar o colesterol que são frequentemente utilizados para atingir os objetivos de tratamento propostos, tais como a ezetimiba, o ácido bempedóico, o eicosapente de etilo e os inibidores do PCSK9.
A maioria dos doentes necessita de realizar este tipo de medicação ad eternum, mesmo quando os valores de colesterol parecem estar baixos.
Bloqueadores Beta-Adrenérgicos
Os bloqueadores beta-adrenérgicos são uma classe de medicação que bloqueia a ação de hormonas, tais como a adrenalina, no coração. Consequentemente este tipo de medicação reduz a frequência cardíaca, reduz o risco de arritmias e controla a pressão arterial.
São frequentemente utilizados na fase aguda do enfarte agudo do miocárdio, podendo ou não fazer parte da medicação de longo prazo, em particular quando existem sequelas, tais como insuficiência cardíaca ou arritmias persistentes. Nesta classe, alguns dos medicamentos mais usados são o carvedilol, o nebivolol, o bisoprolol, o metoprolol e o atenolol, entre outros.
Antianginosos
Esta classe de medicação é usada quando, após um enfarte agudo do miocárdio, persistem sintomas de dor no peito, isto é angina de peito. Estes medicamentos permitem ou dilatar as artérias e aumentar a irrigação do coração ou tornam o músculo mais eficiente na utilização de oxigénio, tornando-o mais eficiente. Podem ser combinados entre eles, para obter mais eficácia no controle dos sintomas de dor e na redução de isquemia.
Nos bloqueadores dos canais de cálcio, como a amlodipina, nifedipina, diltiazem são alguns dos exemplos usados. No caso dos nitratos, estes podem ser tomados em forma de comprimidos, colocados em adesivos transdérmicos e em situações de dor aguda pode recorrer-se à administração sublingual.
Inibidores do Sistema Renina-Angotensina-Aldosterona
Esta classe inclui três tipos diferentes de medicamentos, que atuam bloqueando a ação de hormonas como a angiotensina e a aldosterona. Na prática estes medicamentos reduzem a pressão arterial, evitam a dilatação das cavidades cardíacas e melhoram a perfusão renal.
São habitualmente usados quando o enfarte agudo do miocárdio deixa sequelas significativas e/ou existe insuficiência cardíaca. Nestas situações são habitualmente administrados de forma crónica e durante muito anos.
Os IECA (inibidores da enzima de conversão da angiotensina) mais usados são o enalapril, o ramipril, o perindopril, o captopril, entre outros. Em alternativa, os doentes podem fazer ARA (antagonistas dos receptores de angiotensina), como o candesartan ou o valsartan, entre outros. Os antagonistas da aldosterona incluem medicamentos como a espironolactona e a eplerenona. Todos eles demonstraram efeitos benéficos após um enfarte agudo do miocárdio, mas a escolha de quais tomar deve ser individualizada.
Anti-inflamatórios
Apesar de ser um medicamento antigo e usado no tratamento da gota, a colchicina tem efeitos anti-inflamatórios e recentemente demonstrou reduzir o risco de novos eventos em doentes que tiveram um enfarte agudo do miocárdio ou têm doença aterosclerótica nas artérias coronárias estabelecidas. Em situações selecionadas e em particular quando os outros fatores de risco não estão controlados, a medicação com colchicina em baixa dose poderá estar recomendada, como parte da medicação crónica.
Existem riscos se suspender a medicação crónica, prescrita pelo médico após um enfarte agudo do miocárdio?
A resposta é sim! Sabemos que os doentes que mantém a medicação recomendada após um enfarte agudo do miocárdio têm um risco muito inferior de novos eventos (entre 50-80% de menor risco!).
Obviamente que existem efeitos secundários da medicação, mas os mesmos devem ser discutidos com o seu médico, pois existem muitas alternativas que permitem selecionar a medicação mais adequada para cada um!
A suspensão da medicação de forma inadvertida pode levar a um risco maior de um novo enfarte agudo do miocárdio ou de outro evento cardiovascular. Em caso de dúvida sobre qual a medicação que pode ou não suspender, após um enfarte agudo do miocárdio, fale sempre com o seu médico, pois pode ser a diferença entre a vida e a morte!
Para além da medicação é preciso não esquecer que as medidas de estilo de vida, são tão ou mais importantes para o sucesso da prevenção de novos eventos.
Referências:
1. Byrne R, et al.ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes. Eur Heart J Acute Cardiovasc Care. 2023.:zuad107.
2. Vissern F, ESC Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice. European Heart Journal, Volume 42, Issue 34. 2021; Pages 3227–3337
3. Okkonen M, et al. Risk factors for major adverse cardiovascular events after the first acute coronary syndrome. Ann Med. 2021; 53(1): 817–823..