DEVO OU NÃO TOMAR ASPIRINA PARA PREVENIR EVENTOS CARDIOVASCULARES?

José Ferreira Santos
Cardiologista

Esta é uma pergunta habitual numa consulta médica, mas a resposta nem sempre é simples.

Comecemos pelo que sabemos da aspirina:

• A designação cientificamente correta da aspirina é ácido acetilsalicílico! Aspirina é apenas a primeira marca, propriedade da multinacional Bayer e nome pelo qual a substância ficou mundialmente conhecida!

• A aspirina foi descoberta em 1853 e poucos anos depois começou a ser usada como analgésico para alívio da dor e como anti-inflamatório; apenas na década de 1950, muitos anos após o seu uso generalizado, se percebeu que a aspirina podia ter outros efeitos benéficos, nomeadamente no tratamento do enfarte do miocárdio.

• Nos dias de hoje e na dose habitualmente utilizada (considerada baixa dose e que varia entre 75-150 mg por dia), a aspirina é considerada um medicamento antiagregante, isto é, inibe a agregação (“ajuntamento”) de plaquetas (“células do sangue”) e evita a formação de coágulos sanguíneos, principal mecanismo de ação que protege e reduz o risco de eventos cardíacos.

Depois da descoberta de que alguns dos eventos cardíacos, tais como o enfarte agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral (AVC), eram provocados pela formação de coágulos sanguíneos, que obstruem as artérias, a aspirina começou a ser generalizada nos doentes com doença cardiovascular estabelecida. Assim foram realizados múltiplos estudos que demonstraram o que hoje são benefícios estabelecidos da aspirina: 

Aspirina tomar

•   Quando administrada na fase aguda do enfarte agudo do miocárdio ou do AVC, a aspirina reduz o risco de mortalidade por estas doenças; como exemplo, num dos primeiros estudos, o ISIS-2, com aspirina em doentes com enfarte do miocárdio, a administração de aspirina durante um mês, reduziu em 23% a probabilidade de morte. 

 

•   Quando administrada de forma prolongada em doentes que têm doença cardiovascular estabelecida, a aspirina reduz o risco e aumenta a probabilidade de sobrevivência sem eventos; em média, um doente que tome uma dose baixa de aspirina reduz o risco de ter um novo evento em cerca de 20%! 

 

•   Quando são realizados procedimentos de revascularização arterial (cirurgia de bypass, angioplastia carotídea ou coronária, etc.), a aspirina é um complemento obrigatório do tratamento e pode até ser combinada com outros medicamentos antiagregantes. 

Pelos excelentes resultados obtidos e pela experiência da utilização da aspirina, durante vários anos, em doentes com doença cardiovascular estabelecida, os médicos e cientistas começaram a estudar o seu impacto na prevenção primária de eventos.  

Estabeleceu-se o conceito de que a aspirina protege o coração, o que é verdade, pois reduz o risco de enfarte do miocárdio e, como tal, pode ser tomada mesmo por pessoas saudáveis para aumentar a possibilidade de sobreviver sem eventos cardiovasculares. Em muitos países, a aspirina passou a ser de venda livre e cada um pode escolher livremente se toma ou não aspirina! Por outro lado, os médicos levados pela moda da aspirina e convencidos do seu papel protetor do coração, passaram a prescrever aspirina de forma mais liberal! De certa forma, a aspirina passou a ser um fármaco da longevidade, cujo papel se tornou difícil de questionar. 

O que nos leva aos dias de hoje, onde a pergunta se devemos ou não tomar aspirina para prevenir eventos cardiovasculares importa ser respondida de forma científica. 

Comecemos pela resposta fácil! SIM, deve tomar aspirina, se teve ou tem um dos seguintes: enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral isquémico, doença arterial periférica, angina de peito, antecedentes de angioplastia, cirurgia de bypass, ou outra doença cardiovascular relacionada com a aterosclerose! Podem obviamente existir exceções a discutir com o médico, mas na generalidade dos casos apontados a aspirina (ou outro antiagregante alternativo) fará parte do tratamento obrigatório! 

Agora, a resposta duvidosa! Se não teve eventos cardiovasculares e não tem diagnosticada nenhuma doença cardíaca, a aspirina pode não ser a melhor opção para si! Nestes casos estamos a falar de prevenção primária, o que significa que queremos prevenir algo que ainda não aconteceu, em alguém potencialmente saudável! 

O que nos dizem os três estudos mais recentes, sobre a utilização da aspirina em prevenção primária, isto é, em pessoas que nunca tiveram um evento cardiovascular:

•   Em doentes mais idosos, com mais de 70 anos, sem doença cardiovascular, a medicação com aspirina não reduziu o risco de eventos, nem aumentou os anos de vida; no entanto, a medicação com aspirina aumentou o risco de hemorragia em 38% (resultados principais do estudo ASPREE). 

•   Em doentes de meia-idade, com mais de 55 anos e com outros fatores de risco (por exemplo, uso de tabaco, hipertensão arterial e colesterol elevado), mas sem doença cardiovascular estabelecida, a medicação com aspirina não reduziu o risco de eventos; no entanto, a medicação com aspirina aumentou o risco de hemorragia em cerca de duas vezes (resultados principais do estudo ARRIVE). 

•   Em diabéticos, com mais de 40 anos e sem doença cardiovascular, a medicação com aspirina reduziu o risco de eventos em 12%, mas aumentou o risco de hemorragia 29%, anulando o benefício conseguido (resultados principais do estudo ASCEND). 

Quando utilizada em prevenção primária, o resumo de 13 ensaios clínicos, com 164.225 participantes, indicam que a medicação preventiva com aspirina produz os seguintes resultados:

•   Redução absoluta de 0,41% no risco de ter um evento cardiovascular grave (incluindo morte, enfarte do miocárdio ou acidente vascular cerebral) 

•   Aumento absoluto de 0,47% no risco de ter uma hemorragia grave 

•   Na prática o benefício na redução do risco de eventos cardiovasculares, anula-se pelo risco de hemorragia grave 

Atenção: estes estudos não contam toda a história da aspirina e, mesmo em prevenção primária, podem existir doentes que beneficiam da medicação. Estes são os doentes que têm muitos fatores de risco e elevada probabilidade de virem a ter um enfarte do miocárdio ou acidente vascular cerebral, apesar de ainda não terem tido um evento! São o que os médicos chamam de doentes com elevado risco cardiovascular e que podem beneficiar da terapêutica preventiva com aspirina!

A resposta é SIM se tem ou tiver tido um dos seguintes:

•   Enfarte agudo do miocárdio;

•   Acidente vascular cerebral isquêmico; 

•   Doença arterial periférica;

•   Antecedentes de angioplastia;

•   Antecedentes de cirurgia de bypass;

•    Outra doença cardiovascular relacionada com a aterosclerose.

A resposta é NÃO se:

•   For saudável (não tiver nenhuma das anteriores) e tiver mais de 70 anos ou menos de 40 anos;

•   Tiver risco aumentado de hemorragias, devido a alguma doença concomitante.

A resposta é TALVEZ mas precisa de discutir com o seu médico se:

•   Tiver elevado risco cardiovascular.

duvidas sobre a aspirina

TOME NOTA:

Quando estamos a falar de prevenção de doença cardiovascular, a discussão em torno das medidas de estilo de vida é tão ou mais importante do que se deve ou não tomar aspirina!  

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