Níveis de colesterol e risco cardiovascular: Porque são os objetivos diferentes?

Hélder Dores - Cardiologista
Publicado no dia 11 de outubro de 2024
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José Ferreira - Cardiologista
Publicado no dia 11 de outubro de 2024
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O que é o risco cardiovascular?
É a probabilidade de um indivíduo ter um evento cardiovascular grave, tais como o enfarte agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral ,entre outros, durante um período de tempo definido e específico. O risco cardiovascular varia em função de vários fatores de risco e é normalmente estimado ao longo de um período de 10 anos ou ao longo da vida, dependendo do método e da calculadora utilizados.

O que define o risco cardiovascular?
Vários fatores contribuem para o risco cardiovascular, incluindo a idade, o sexo, a história familiar, o tabagismo, a pressão arterial, os níveis de colesterol e a presença de diabetes ou de outras doenças crónicas. O estilo de vida, como a dieta e o nível de atividade física, também desempenham um papel crucial e influenciam o risco cardiovascular. Além disso, o stress e a manutenção de um peso ideal são componentes vitais e contribuem para o risco cardiovascular global.
O risco cardiovascular individual é determinado pelo médico e obriga à utilização de uma calculadora de risco, normalmente a calculadora SCORE-2, recomendada pela Sociedade Europeia de Cardiologia, embora possam ser utilizadas outras ferramentas disponíveis.
Quem deve preocupar-se com o risco cardiovascular?
Uma vez que a doença cardiovascular é uma das principais causas de morte e incapacidade, todos os indivíduos devem preocupar-se com o risco cardiovascular.
No entanto, as recomendações colocam uma tónica especial nestes grupos de pessoas, nos quais é obrigatório avaliar o risco cardiovascular:
• Antecedentes de eventos cardiovasculares, como o acidente vascular cerebral ou o enfarte agudo do miocárdio;
• Doença cardiovascular estabelecida, como doença das artérias coronárias (incluindo angina de peito, cirurgia de bypass coronário prévia ou angioplastia coronária prévia), doença arterial periférica (incluindo aneurismas da aorta, claudicação dos membros inferiores ou estenose carotídea);
• Diabetes (em especial de longa duração, i.e. >10 anos);
• Doença renal crónica;
• Múltiplos fatores de risco, nomeadamente hipertensão, colesterol elevado, tabagismo, obesidade e/ou história familiar de doença cardíaca prematura em familiares de primeiro grau.
Mesmo que não pertença a um destes grupos, a estimativa do risco cardiovascular deve fazer parte do check-up regular com o médico assistente.
Como é que o colesterol está relacionado com o risco cardiovascular?
O colesterol desempenha um papel crucial no desenvolvimento da aterosclerose , que resulta no aparecimento de placas de gordura na parede das artérias, estreitando-as e aumentando o risco de eventos cardíacos. Níveis elevados de colesterol-LDL são particularmente preocupantes, uma vez que contribuem significativamente para a formação de placas, enquanto o colesterol-HDL ajuda a remover o excesso de colesterol da corrente sanguínea.
Quando combinado com outros fatores de risco cardiovascular, o colesterol acelera e promove a aterosclerose e aumenta o risco de eventos cardiovasculares. Mesmo na ausência de outros fatores de risco, o colesterol extremamente elevado (nomeadamente valores de colesterol LDL >190mg/dL) pode, por si só, conduzir a doenças cardiovasculares, se os níveis se mantiverem elevados durante vários anos.
Não existe um valor abaixo do qual se possa dizer que o colesterol é normal! Existem vários estudos que demonstram que as pessoas que nascem com determinadas mutações genéticas podem ter colesterol-LDL na ordem dos 20-40mg/dL sem desenvolverem quaisquer complicações decorrentes destes níveis baixos. Para além disso, as pessoas com estes níveis baixos tendem a viver mais tempo sem desenvolverem doenças cardiovasculares. Também os níveis de colesterol no recém-nascido são muito baixos, cerca de 30-70 mg/dL, sem quaisquer implicações no seu desenvolvimento futuro.
A relação entre os níveis de colesterol e o risco cardiovascular é diretamente proporcional. Por outras palavras, à medida que os níveis de colesterol aumentam, também aumenta o risco e, inversamente, níveis mais baixos correspondem a uma menor probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares.
Quais são os valores ideais de colesterol?
Regra geral, quanto mais baixo for o valor, melhor. Idealmente, numa pessoa sem qualquer outro fator de risco, assume-se como limite máximo aceitável um colesterol-LDL de 100 mg/d, mas valores mais baixos podem ser considerados ótimos para a prevenção de doenças cardiovasculares. Como referido, valores de colesterol-LDL entre 20-40 mg/dL estão associados a mais anos de vida livre de eventos cardiovasculares.
No caso de indivíduos com múltiplos fatores de risco, os objetivos tendem a ser mais ambiciosos e justifica uma abordagem mais agressiva na redução do colesterol. Nestes casos, níveis de colesterol-LDL inferiores a 70 mg/dL podem reduzir significativamente o risco de complicações cardíacas.
Adicionalmente e em pessoas com doença cardiovascular estabelecida, sugere-se que os níveis de colesterol-LDL persistam abaixo de 55 mg/d, evitando assim a evolução da doença e novos eventos agudos.
Como atingir os objetivos ideais de colesterol?
A primeira recomendação, e que é universal, passa pelas medidas de estilo de vida, que incluem uma dieta adequada para o coração, rica em frutas, vegetais, hortícolas, cereais integrais, peixe e gorduras saudáveis, juntamente com atividade física regular e manutenção de um peso ideal.

Adicionalmente, e quando o risco cardiovascular é elevado, para atingir os objetivos de colesterol recomendados, deve ser considerada medicação crónica e os potenciais benefícios e riscos da mesma devem ser discutidos com o médico.
Atualmente existem várias opções de medicação disponíveis, sendo a classe mais utilizada e generalizada as estatinas. No entanto, para os doentes que não toleram as estatinas ou mantêm os níveis de colesterol elevados, apesar do tratamento, existem hoje várias alternativas, que incluem a ezetimiba, os inibidores da PCSK9, o inclisiran e o ácido bempedóico. Estes medicamentos são complementos eficazes às estatinas que ajudam a controlar os níveis de colesterol e reduzem o risco de eventos cardiovasculares.
Referências:
1. 2021 ESC Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34458905/