MORTE SÚBITA NO ATLETA
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A morte súbita no atleta é um evento trágico, constituindo um paradoxo pelos múltiplos benefícios comprovados do exercício físico para a saúde e por ocorrer em indivíduos aparentemente saudáveis.
Apesar das diversas informações divulgadas e estudos publicados, existem dados mal conhecidos e controversos sobre a morte súbita em atletas, nomeadamente quanto à sua incidência e causas.
Isto deve-se ao facto de a maioria resultar de registos retrospetivos e informação publicada nos media. Ou seja, carece de haver um melhor esclarecimento sobre esta temática.
No entanto, são conhecidas várias características mais comuns nos atletas vítimas de morte súbita:
- A morte súbita aumenta com a idade.
- É superior no homem, com um risco até 10 vezes superior do que na mulher;
- Nos atletas de raça negra e nos que estão envolvidos em modalidades como basquetebol e futebol americano nos Estados Unidos da América e o futebol na Europa. A extrapolação destes resultados sugere também uma maior frequência nos desportos com elevada intensidade de exercício dinâmico, mas pode existir um viés de análise pela discrepância no número de participantes entre as diversas modalidades.
- A grande maioria dos casos ocorre durante ou imediatamente após a prática de exercício.
A verdadeira incidência de morte súbita no atleta permanece desconhecida, mas varia entre 0,5 e 13 mortes por 100.000 atletas por ano ou 1 por cada 15.000 a 200.00 atletas por ano.
Quais as principais causas?
Quanto às causas de morte súbita no atleta, estas diferem consoante a idade. Nos atletas jovens as principais causas são doenças cardíacas hereditárias, nomeadamente miocardiopatias (afetam o músculo cardíaco) e doenças arrítmicas primárias (afetam o ritmo cardíaco).
A miocardiopatia hipertrófica é uma causa comum, mas outras doenças como a miocardiopatia arritmogénica, miocardiopatia dilatada, síndrome de QT longo e síndrome de Brugada também estão entre as mais frequentes. As doenças arrítmicas têm assumido preponderância pela descrição de muitos casos de morte súbita em atletas com corações estruturalmente normais após a autópsia. Este facto releva a importância da avaliação dos familiares de 1.º grau, que em vários casos permite diagnosticar uma percentagem significativa de doenças cardíacas hereditárias, sobretudo síndrome QT longo e Brugada.
Outra causa muito relevante de morte súbita é a miocardite aguda. Nos atletas veteranos (>35 anos) a doença coronária aterosclerótica é responsável pela grande maioria dos casos de morte súbita, sendo responsáveis por cerca de dois terços.
Importa também salientar o papel de alguns fatores extrínsecos, como o doping e a prática de exercício em condições ambientais extremas, destacando-se o risco de síndromes de agressão térmica, nomeadamente o golpe de calor.
Relativamente ao doping, a lista de substâncias proibidas é atualizada anualmente pela World Anti-Doping Agency. As substâncias mais usadas e associadas a complicações cardiovasculares são os esteroides androgénicos anabolizantes, que estimulam a síntese proteica promovendo hipertrofia ventricular esquerda e fibrose miocárdica, induzem hipertensão arterial e alteram o metabolismo lipídico, levando ao desenvolvimento de aterosclerose prematura com risco de enfarte agudo do miocárdio e de morte súbita. A efedrina, anfetaminas e cocaína são outras substâncias que aumentam o risco de eventos cardiovasculares agudos.
Como reduzir o risco de morte súbita no atleta?
Apesar de a morte súbita ser um evento raro, é possível reduzir o seu impacto e evitar alguns casos. O risco nunca será zero, mas há duas estratégias essenciais para melhorar este paradigma:
1 – Identificação precoce dos atletas com risco mais elevado ou portadores destas doenças através de uma avaliação pré-competitiva adequada.
2 – Dotar os recintos desportivos de capacidade de reanimação e profissionais com formação especializada em emergência médica.
Relativamente à avaliação pré-competitiva do atleta, como as causas de morte súbita diferem com a idade, além da avaliação física e da investigação de história pessoal e familiar de doenças cardiovasculares, há exames complementares de diagnóstico que devem ser realizados. O eletrocardiograma é essencial no jovem, enquanto no veterano a pesquisa deve centrar-se na estratificação de risco cardiovascular e na deteção precoce de doença coronária, para a qual são indicados outros exames como a prova de esforço.
A emergência médica, sobretudo a presença de desfibrilhador e de pessoal com formação especializada para iniciar as manobras de reanimação nos recintos desportivas é um aspeto essencial e tem sido a principal razão para a redução de casos de morte súbita e aumento da sobrevida após reanimação de paragem cardiorrespiratória.
Com estas medidas será possível praticar exercício físico em mais segurança e também salvar mais vidas.
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