Plástico em placas de aterosclerose e eventos cardiovasculares

Hélder Dores - Cardiologista
Publicado no dia 9 de maio de 2024
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Os plásticos são úteis e tornam a nossa vida mais fácil em muitos aspetos, tendo a sua produção e utilização aumentado progressivamente ao longo dos anos. No entanto, os plásticos têm um elevado impacto para a saúde humana e para o ambiente, constituindo uma grande fonte de poluição atmosférica, terrestre e aquática.

Muitas das partículas presentes nos plásticos são substâncias químicas associadas a elevada toxicidade no nosso organismo, enquanto a sua degradação leva à formação de pequenas partículas (micro e nanoplásticos) que aumentam o risco de complicações clínicas.
Está documentado que quando estas partículas entram no nosso organismo, através de inalação, ingestão ou contacto cutâneo, interagem com os tecidos e órgãos. Entre outros mecanismos estas partículas promovem stress oxidativo, inflamação e apoptose de células endoteliais e vasculares. Mais especificamente, estudos em animais demonstraram que as partículas de plástico alteram a frequência cardíaca, a função ventricular e provocam fibrose miocárdica. Contudo, os efeitos clínicos destas partículas de plástico permanecem mal-esclarecidos.
Um artigo publicado no New England Journal of Medicine veio acrescentar nova evidência sobre esta temática. Neste estudo prospetivo realizado em Itália foram analisados doentes assintomáticos que efetuaram endarterectomia por doença das artérias carótidas (cirurgia para remover placas de aterosclerose existentes nas artérias do pescoço).
As placas de aterosclerose extraídas foram analisadas quanto à presença de partículas de plásticos (11 tipos diferentes), sendo o objetivo principal avaliar a taxa de eventos clínicos (enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral ou morte) nos doentes com partículas comparativamente aos que não tinham estas partículas identificadas.
Foram incluídos 304 doentes, seguidos em média durante 34 meses, sendo detetado polietileno em 58% e cloreto de polivinil em 12% destes doentes. A presença das partículas de plástico associou-se também a níveis mais elevados de marcadores inflamatórios. Os doentes com partículas nas placas de ateroma apresentaram um maior risco de eventos clínicos durante o período estudado (7,5% versus 20,0%).
Em conclusão, este estudo revela que nos doentes com placas de aterosclerose nas artérias carótidas, a presença de pequenas partículas de plástico associa-se a maior risco de eventos clínicos (enfarte, acidente vascular cerebral ou morte), comparativamente aos doentes sem estas partículas.
O impacto da poluição, neste caso dos plásticos, para a saúde cardiovascular é inquestionável. Neste contexto, o tamanho das partículas poluentes é um aspeto fundamental para o seu efeito clínico, sobretudo pela maior disseminação daquelas com menores dimensões em órgãos muito vascularizados.
Reduzir a exposição a estas partículas encontradas, por exemplo nos alimentos, água, ar e cosméticos, é assim essencial. Para além dos fatores de risco tradicionais, há características associadas ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como são exemplo a poluição e as alterações climáticas, que devem ser valorizadas. Este facto já é referido nas recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia para prevenção da doença cardiovascular.
Reduzir o impacto da poluição, nomeadamente do plástico, na saúde cardiovascular, é desafiante e deverá constituir uma prioridade para todos nós, tanto individualmente como coletivamente, para garantir mais e melhor saúde para as gerações futuras.
Referências:
- Marfella R, Prattichizzo F, Sardu C, et al. Microplastics and Nanoplastics in Atheromas and Cardiovascular Events. N Engl J Med 2024;390:900-10.