Poluição, alterações climáticas e risco cardiovascular

Artigo de Hélder Dores - Cardiologista
01 jun 2023

Quando se fala em risco e doença cardiovascular, salientam-me imediatamente como principais fatores de risco a diabetes, a hipertensão arterial, o tabagismo e a dislipidemia. Não há dúvidas na associação destas condições com eventos cardiovasculares.  

Contudo, nos últimos anos têm sido descritas muitas outras características com impacto prejudicial muito significativo a nível cardiovascular, tanto na origem das doenças, como no seu prognóstico. Um exemplo é a associação entre a poluição e as alterações climáticas com o desenvolvimento de doença cardiovascular, na qual a evidência é cada vez mais robusta.  

A poluição é já considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a 4.ª causa de mortalidade em termos globais, destacando-se a sua associação com o aumento do risco de doenças cardiovasculares, sobretudo a poluição atmosférica.  

Neste contexto, nas últimas recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia para prevenção da doença cardiovascular, a poluição já é considerada um fator de risco cardiovascular.

Vários estudos comprovam a associação significativa entre poluição e o desenvolvimento de patologias do foro cardiovascular, como a doença das artérias coronárias, o acidente cerebrovascular, a insuficiência cardíaca, algumas arritmias e até morte.

Os mecanismos que estão na base desta relação são complexos e ainda mal esclarecidos, mas a inflamação, a translocação de partículas com deposição nos vasos sanguíneos e perturbações no sistema nervoso autónomo estão entre os mais frequentemente descritos. Como exemplo, realça-se a inalação de micropartículas nocivas, particularmente associadas com alterações a nível vascular, contribuindo para a formação de placas e trombos, que podem estar na génese subsequente de eventos cardiovasculares, como o enfarte agudo do miocárdio.

Além da relevância atual da poluição, estima-se se também que anualmente cerca de 1 em cada 4 mortes tenha origem em causas ambientais. Aliás, estas duas entidades, poluição e alterações climáticas, estão interligadas.  

Por este motivo, a OMS também já referiu há vários anos que as alterações climáticas seriam a maior ameaça à saúde da humanidade, assumindo o aquecimento global uma importância acrescida. 

De facto, nas últimas décadas temos assistido a um aumento progressivo da frequência e magnitude de diversos fenómenos meteorológicos extremos, tais como secas, inundações, ondas de calor e incêndios, com impacto inquestionável na saúde. 

As doenças cardiovasculares, situações de malnutrição e outras condições como a malária são alguns exemplos de doenças que podem ser exponenciadas pelo aumento da temperatura do planeta.

O impacto mais relevante na mortalidade global decorre das doenças cardiovasculares, a principal causa de morte e de morbilidade nos países desenvolvidos, responsáveis em Portugal por aproximadamente 30% dos óbitos anuais.

Várias organizações internacionais têm reportado dados alarmantes que sustentam o impacto clínico das alterações climáticas na saúde cardiovascular. Está descrita uma relação típica de “curva em U” entre a temperatura e a ocorrência de eventos cardiovasculares, ou seja, tanto a exposição a temperaturas muito baixas como muito elevadas aumenta o risco de várias doenças. 

Estima-se que por cada aumento de 1º C na temperatura o risco destes eventos aumentará consequentemente cerca de 2%. Realça-se que após a exposição a temperaturas muito elevadas, mesmo pessoas com corações perfeitamente saudáveis e sem qualquer comorbilidade associada, podem ter eventos potencialmente fatais. Um exemplo paradigmático são os casos de golpe de calor que afetam por vezes jovens, incluindo atletas, decorrentes da exposição a temperaturas extremas e não da presença de doenças subjacentes. 

É fundamental referir que o impacto na saúde das alterações climáticas não é igual em todas as pessoas, existindo algumas mais suscetíveis.

Os vários registos apontam como populações com maior risco os idosos, as pessoas com doenças crónicas, como insuficiência cardíaca, doença das artérias coronárias, doença renal crónica ou doença pulmonar obstrutiva crónica e aquelas que estão expostas durante períodos mais prolongados, sobretudo em contexto profissional. Estas são populações em maior risco tanto para a exposição às alterações climáticas como à poluição.

Como mudar este paradigma?

Mudar este paradigma é crucial, sendo necessário promover intervenções a nível individual e populacional para se seja possível reduzir o impacto de alguns destes fatores no desenvolvimento e na progressão da doença cardiovascular. De facto, alguns dos aspetos que potenciam o risco da poluição e das alterações climáticas podem ser modificados e atenuados. 

Adotar medidas que contribuam para impedir o aumento da temperatura, permitindo assim reduzir ou mitigar os efeitos da ocorrência de catástrofes ambientais e das complicações subsequentes relacionadas com a saúde é fundamental. 

Um aspeto que em termos globais será muito importante é alcançar a neutralidade nas emissões de carbono e colocar em prática uma política de carbono zero o mais rapidamente possível, como recomendado por várias organizações ligadas ao ambiente.

  • Pela complexidade destas temáticas, a sua discussão terá de ser realizada em grupos de trabalho multidisciplinares que contribuam para o desenvolvimento de estratégias que apoiem a definição políticas de saúde relacionadas com o ambiente, envolvendo profissionais das duas áreas, saúde e ambiente.

  • Um aspeto essencial é, sem dúvida, melhorar a literacia da população nesta área. As pessoas têm de conhecer esta realidade, que é atual e já nos afeta, bem como medidas que possam adotar para melhorar esta situação.

  • A aposta na prevenção, também frequentemente esquecida em termos transversais, é fulcral, salientando-se o controlo dos fatores de risco cardiovascular clássicos, através de medidas que incentivem a adoção de um estilo de vida saudável, como a promoção da prática regular de exercício físico, o controlo do peso e dos restantes fatores de risco, permitindo reduzir o risco cardiovascular global.

Em suma, é importante encarar a poluição e as alterações climáticas como verdadeiros fatores de risco cardiovascular. Não temos outro planeta Terra e apesar dos efeitos já sentidos, estamos muito a tempo de melhorar o futuro das próximas gerações. Neste âmbito, cada um de nós isoladamente, mas também em comunidade, deveremos adotar medidas que permitam reduzir o impacto da poluição e das alterações climáticas na saúde.

Referências:
  1. Caldeira D, et al. Air pollution and cardiovascular diseases: A position paper. Rev Port Cardiol. 2022;41(8):709-17. 
  1. Caldeira D, et al. Global warming and heat waves risks for cardiovascular diseases: a position paper of the Portuguese Society of Cardiology. Rev Por Cardiol. 2023;S0870-2551(23)00099-9.  
  1. Montone RA, et al. Impact of airpollutionon ischemic heart disease: Evidence, mechanisms, clinical perspectives. Atherosclerosis. 2023;366:22-31.  
  1. Liu J, et al. Heat exposure and cardiovascular health outcomes: a systematic review and meta-analysis. Lancet Planet Health. 2022;6:e484-95.

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